Especulações e exageros à parte, apurei algumas informações e proponho uma análise.
As mudanças da Britannica vieram à tona após uma matéria do jornal australiano Sydney Morning Herald, que entrevistou o presidente instituição, Jorge Cauz. Ele deixa claro uma "cruzada" da secular instituição contra a Wikipedia, o que inclui melhorar posicionamento das entradas no Google.
O ponto chave, no entanto, já estava delineado há alguns meses, no post Collaboration and the Voices of Experts, publicado em junho de 2008: a Britannica pretende, ao seu modo, dar mais espaço para novos editores, que chamam de “community of scholars”.
O modelo conceitual deixa claro o papel dos especialistas, que precisam comprovar dados pessoais e certamente devem ter um alto grau de especialização na área (ao contrário da Wikipédia, cuja meritocracia baseia-se no engajamento). Estes novos editores aparentemente terão grande poder de decisão e suas publicações estarão vinculadas aos logins (uma forma de explicitar a autoria).
A mediação rígida deve ao simplificado mecanismo para sugestão de modificações nos verbetes. O recurso Suggest Edit associado às entradas é muito parecido com a ferramenta wiki, aceita submissões sem cadastro prévio e pede apenas o aceite dos Termos de Uso.
Espera-se que atualização de uma informação checada pela equipe da enciclopédia ou por "editores freelance" ocorra em até 20 minutos. As novidades podem ser incorporadas na versão impressa, editada a cada 2 anos.
Atacando o "modismo" da "sabedoria das multidões" e chamando para si a responsabilidade pelo material publicado, a Britannica deixa clara sua adequação à web 2.0:
"we believe that the creation and documentation of knowledge is a collaborative process but not a democratic one"Já na Wikipédia, a alardeada limitação da colaboração ampla e irrestrita que move o projeto resume-se, no fim das contas, à possibilidade de implementação da extensão "FlaggedRevs" no MediaWiki, software em que se baseia o site.
Este recurso tem inúmeras configurações possíveis, pode ser ativado caso a caso e seria uma alternativa à proteção imposta com frequência em alguns artigos mais visados por vândalos ou guerras de edições. Ao invés do travamento total das edições, seria permitida a edição, mas sua publicação dependeria de uma autorização posterior pelos administradores do site.
O assunto está em discussão desde o ano passado e foi retomado após um apelo de Jimmy Wales na sua página pessoal, motivado especialmente por episódios de "morte antecipada" de personalidades (forma clássica de vandalismo na Wikipédia). O índice de aprovação da proposta (60%) indica baixa aceitação da comunidade de usuários e o tema continua em discussão.
As Flagged editions (termo traduzido como Revisões Assinaladas) foram implementadas de forma experimental em todos os artigos da versão em alemão. De cara, um grande problema: a aprovação do conteúdo chegou a registrar uma demora de 3 semanas. Se implementada em larga escala, tornaria inviável a aprovação das mais de 150 mil edições diárias, como levantou o post do ReadWriteWeb.
Poderia ainda impactar diretamente uma apropriação típica da Wikipédia, a redação "em tempo real" de artigos sobre acontecimentos recentes. É uma faca de dois gumes: ao menos tempo em que impediria uma atualização em "fluxo contínuo", evitaria uma proteção mais restritiva no calor dos eventos, como o próprio Wales registrou em seu apelo (situação que ocorreu, por exemplo, na edição do artigo sobre Vôo TAM 3054, como algumas vezes citei aqui).
Parece-me que estamos diante de um processo de amadurecimento e complexificação da política de edição gerida no site, e não de uma simples guinada da Wikipedia para um modelo mais fechado ou de uma mudança na sua política editorial.
Avalio ainda como uma intensificação de uma tendência repleta de tensões: dar um maior poder aos administradores em prol da manutenção da idéia original de que todos podem editar.
Pesquisador Ed H. Chi, do Palo Alto Research Center, levanta uma questão fundamental no post
Governing and authorship models at Wikipedia and Britannica:
So now the research question is whether you want to design your editing policy to favor the upper class (top editors and administrators), the middle class (the 5000-6000 editors who contribute the middle 50% of all edits), or the lower class (the 15000 editors who contribute the last 25%).Quer dizer, a questão é quem deve ser privilegiado na "política de edições": os usuários mais ativos, a "classe média" ou os eventuais colaboradores? Chi acredita que independente das "revisões assinaladas", a participação dos usuários eventuais está cada vez mais limitada:
So, even without the "flagged revision" mechanism such as the ones suggested by Jimmy Wales, it has already been getting harder for the lowest class of occasional editors to produce edits that remain as contribution in Wikipedia.Comparando os dois processos em cursos, não consigo imaginar, a médio prazo, uma efetiva aproximação entre a Britannica e a Wikipédia, principalmente pelas filosofias editoriais claramente distintas. Em ambas colaboração e mediação andam juntas, mas de formas distintas.
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